A presidente da CRB aposta na intercongregacionalidade

Compartilhe nas redes sociais

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no telegram
Telegram

A religiosa denuncia o clericalismo e a “falta de profetas no âmbito hierárquico”.

Luis M. Modino

Maria Inês Vieira Ribeiro é Presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil desde maio de 2014 e pertence à Congregação das Mensageiras do Amor Divino. A partir do serviço que realiza, faz uma análise da atual realidade da Vida Religiosa no país sul-americano, marcada pelo grande número de congregações e religiosos.

Perante esta realidade, é importante que a Vida Religiosa seja “testemunho de alegria e inserção onde a vida mais clama, onde há mais necessidade de nós’, a partir da proposta do papa Francisco. Tudo a partir dos carismas, pois como ela mesma constata, “nascemos para estar a serviço da vida”, e de uma necessidade de viver a missão, de ser Igreja em saída, já que “à medida que nos fechamos em nossos ambientes, produz uma amargura, uma insatisfação e vai se perdendo o ânimo, dando-se testemunho de fragilidade, de empobrecimento, de tristeza”.

Um dos aspectos que está sendo mais trabalhado é o da intercongregacionalidade, fazendo-se assim mais presentes em algumas realidades que clamam, como é o Tráfico de Pessoas. Essas “experiências que nos dão esperança”, pois, na opinião da presidente da CRB, “se ficarmos chorando nossa pequenez, nosso número que diminui, nosso envelhecimento, não vamos animar os jovens que gostariam de se juntar a nós”.

Ao mesmo tempo, não duvida em criticar “as preocupações excessivas com a liturgia, com os aparatos”, o que atribui ao fato de que “hoje a formação está muito deterioriorada”. Por isso afirma que devemos nos preocupar com “o clericalismo, a falta de abertura”, com “uma Igreja fechada em si mesma”, com a “falta de profetas dentro do meio hierárquico”.

A Irmã Maria Inês ressalta o problema da convivência entre as diferentes gerações na Vida Religiosa, o que “é algo que dá muito trabalho e que nos leva a insistir para que as congregações formem comunidades com aqueles que estão mais abertos”. Porém, apesar das dificuldades, reconhece que a Vida Religiosa “vale muito a pena”, pois nela “vive-se a liberdade de servir a Deus”.

Em um país tão grande, com tantas congregações religiosas, a partir de seu conhecimento como presidente da CRB, qual é a situaçãoda Vida Religiosa no Brasil?

Creio que é um pouco complicada, pois temos um número grande de pessoas que estão envelhecendo, e as entradas para a Vida Religiosa é uma situação preocupante, apesar da ajuda do Ano da Vida Consagrada, quando tivemos um Congresso que foi uma bênção, com uma participação mais de dois mil religiosos em todo o Brasil. Foi um momento de forte animação da Vida Consagrada, começamos a dar incentivo e motivar as congregações a não ficarem tanto no negativo, que cada uma optasse pelo seu carisma e fomentasse a presença dos religiosos ali onde a vida mais clama, algo que continuamos insistindo em nossas reuniões e assembléias. Estou percebendo um lento crescimento em número de adesões à Vida Consagrada”.

Isto supõe entrar na dinâmica que propõe o papa Francisco, que disse que há muita gente na Igreja, sacerdores, religiosos e religiosas que, em vez de anunciarem a alegria do Evengelho, vivem com “cara de vinagre”.

Exato, ele disse isso com muita razão. É algo que percebo e temos falado bastante em nossos encontros e trabalhos. É justamente esse testemunho de alegria e de inserção onde a vida mais clama, onde há mais necessidade de nós. Sempre conversamos entre nós que cada Instituto nasceu em favor da vida, essa é sua essência e origem. Não há nenhum Instituto que tenha nascido onde já não existe mais aquela necessidade de educação, sáude, promoção humana e social, pois nascemos para estar a serviço da vida. À medida que nos fechamos em nossos ambientes, isso produz uma amargura, uma insatisfação e vai se perdendo o ânimo, dando-se testemunho de fragilidade, de empobrecimento, de tristeza. Quem vai querer entrar numa realidade dessas”?

Voltando às palavras do papa Francisco, deixar de lado a autorreferencialidade, promover o trabalho intercongregacional, o testemunho pessoal e de vida em lugares onde ninguém quer fazer-se presente.

Na CRB, uma questão muito forte é a intercongregacionalidade. Temos grandes trabalhos em conjunto, por exemplo, no campo da Justiça e Paz, também entre as Novas Gerações da Vida Consagrada, a Rede um Grito pela Vida. Também  nos lugares onde a vida mais clama, estamos com diversas comunidades intercongregacionais no Brasil. Houve um encontro, faz menos de um ano em que se apresentaram experiências intercongregacionais, mostrando dez experiências, desde uma no Acre, onde várias congregações assumiram um hospital público que estava em falência, como conseqüência de roubo e corrupção, o que provocaria que as pessoas não tivessem onde ser atendidas. Quatro congregações femininas se uniram, pressionaram a Secretaria Municipal e Estatal de Saúde, e até hoje está sob a coordenação das Irmãs que, apesar de imensas dificuldades, levantaram o hospital.

 No Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, com o apoio da CRB Regional Belém, existe a experiência de uma comunidade intercongragacional de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Outra comunidade na periferencia de São Paulo, outra no norte de Moçambique. São comunidades nascidas a partir de um grito. Outra no Haiti, onde Irmãs foram depois do terremoto para estar na periferia, onde as pessoas não têm nem casa própria, vivendo em casas pré-fabricadas de dois por dois metros. Insignificante! Situação de extrema pobreza.

Essas são experiências que nos dão esperança e demos ênfase a essas realidades. Quando se vai de norte a sul, conversando sobre essa força da Vida Religiosa, percebe-se que lentamente estamos nos fazendo presentes. Se ficarmos chorando nossa pequenez, nosso número que diminui, nosso envelhecimento, não vamos animar os jovens que gostariam de unir-se a nós.

Por outro lado, temos um dado interesante das novas comunidades, onde surgem muitas vocações, ainda com uma imensa fragilidade de formação, de instabilidade, de jovens que vem com poucas condições e rapidamente são aceitos e inseridos no trabalho, mas ficam muito pouco tempo, pois não agüentam, devido à sua falta de estrutura. Esses são desafios que estamos enfrentando.

A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não tem muitas pistas de ação com essas novas comunidades, pois não têm uma coordenação segura em nível eclesial”.

Você falou da Rede um Grito pela Vida, que este ano completa dez anos da caminhada, e que foi um grito que surgiu da própria vida religiosa. Percebe-se que há cada vez mais leigas entrando para colaborar com a Rede. Falta um maior apoio a esta Rede por parte da Igreja hierárquica? Que a Vida Religiosa pode fazer para que as dioceses e a própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil assumam a Rede um Grito pela Vida e o trabalho de combate ao Tráfico de Pessoas como um trabalho eclesial e não como algo que se restringe à Vida Religiosa?

Percebo que é algo muito lento o envolvimento da Igreja hierárquica, apesar de a CNBB ter um setor social, uma comissão que trabalha com as obras sociais, com a mobilidade humana, porém não vejo uma abertura, um apoio para a Rede um Grito pela Vida.

São dez anos de trabalho, eles dão valor, como o ano em que Campanha da Fraternidade teve como tema o Tráfico de Pessoas e chamaram a Irmã Eurides em diferentes regionais e as pessoas da Rede para dar conferências, formações e até para homilias na Igreja, pois viam que eram pessoas que estavam tratando essa questão e tinham o que dizer.

Porém, por outro lado, não se percebe esse mesmo valor em relação à Igreja hierárquica (e eu estou bem dentro da CNBB), um interesse e uma participação que poderia ser maior. Apresentamos alguns dados, pois com a Campanha da Fraternidade foi criado um serviço de pequenos projetos, algo que pouco a pouco está crescendo no Brasil e que deve crescer mais, pois o Brasil é muito grande e tem muitos recursos.

Como assinalava o director da Adveniat em uma recente visita, em cinco anos vão cair drásticamente as ajudas da Adveniat e Misereor, pois cada dia há menos entradas de recursos nessas entidades. Se os países não acordam, se não acordarmos, não vamos conseguir continuar a evangelização.

Tanto a Conferência dos Religiosos como a Conferência dos Bispos dependemos bastante da Adveniat para nosso trabalho, e quando vamos começar a contribuir? A CNBB tem dois serviços para atender a projetos, aos quais ajuda à medida que vê seu valor e repercussão, vê onde vai chegar. Porém, no meu ponto de vista, o envolvimento ainda é pequeno”.

Quer dizer que a Igreja ainda está mais preocupada com o que se passa dentro da sacristia do que com as necessidades de fora?

No Brasil, de modo geral, nossa Igreja, nossos padres, vão em que direção? Há preocupações excessivas com a liturgia e com os aparatos, e a formação está muito deteriorada. Também nos preocupam o clericalismo e a falta de abertura. Até nos diáconos permanentes cresceu muito o clericalismo, todos eles com clergyman. Creio que são diáconos para ser coroinhas dos sacerdotes e não para servir a caridade, a palavra, para estar no meio das pessoas. O pároco entrega a chave da sala, do sacrário para o diácono, porém não entrega o cofre.

Esta realidade é muito gritante em nosso país. A própria CNBB está reduzindo o investimento em projetos sociais para reformar e construir edifícios…. É uma realidade ante a qual não podemos fechar os olhos, vemos a Igreja fechada em si mesma. Há pessoas, figuras, gestos, fatos bastantes fortes, porém temos falta de profetas dentro do meio hierárquico”.

O papa Francisco convocou um Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia. No caso da Amazônia brasileira, o trabalho da Vida Religosa naquela região é fundamental e poderíamos dizer que decisivo. Como a Vida Religiosa pode contribuir na preparação do Sínodo?

“João Paulo II já disse que a Igreja aponta para a Amazônia. Recentemente, a Vida Religiosa de fundações brasileiras abriu uma comunidade na Tríplice Fronteira. Nós temos congregações que com sacrifício fecharam comunidades no Sul e abriram na Amazônia, em dioceses onde não havia quase ninguém, como em Óbidos, Pará, onde já há mais de meia dúzia de comunidades.

Em cinco ou seis anos muitas congregações fecharam comunidades no Sul e foram para a Amazônia, pois o Sul ainda está muito cheio de religiosos, grande parte de anciãos/ãs. Quando se vai a uma reunião de religiosos no Sul, 75% das cabeças são brancas. Apesar de que, como dizia Frei Carlos Mesters, em um Congresso da Vida Religiosa Inserida, muito ativa no Nordeste, no qual havia mais de 250 religiosas e religiosos na grande maioria: “o que eu vejo nesta sala são cabeças de prata, corações de ouro e pés de ferro”.

 

De fato, devemos dar valor ao trabalho feito por muitas pessoas durante muitos anos, a esses pés de ferro que são o melhor testemunho do valor da Vida Religiosa.

“Visitei uma obra social na periferia de São José dos Pinhais, que atende seiscentas crianças e adolescentes em situação de risco social, em uma região de muita indústria e muita pobreza entre as pessoas que vivem à margem do rio e onde umas Irmãs têm esta obra social. Quem coordena o projeto é uma Irmã de 80 anos, que me deixou surpresa com sua agilidade, destreza e capacidade, sendo consciente de que daqui a dois anos não será capaz de levá-la adiante. Ela está fazendo um plano estratégico para vários anos, pois ela sabe que tem de organizar bem a Instituição e colaborar com o seu Instituto para a continuidade.

Quantas pessoas hoje com 60 anos deixam de trabalhar, e encontram-se ainda na Vida Religiosa testemunhos muito bonitos de presença, de pés de ferro, de pessoas que estão ali no meio do povo. Há coisas muito bonitas, não sou uma pessoa pessimista e vejo a Vida Religiosa com esperança”.

Pessoas de mais idade são o melhor testemunho do valor da comunidade. Muitas vezes, os mais jovens, influenciados pela cultura individualista, que pouco a pouco foi entrando na Igreja e na Vida Religiosa, sempre têm muitas dificuldades para essa vivência comunitária.

A influência da própria estrutura cultural, do isolamento, do individualismo, do conflito surge entre as diferentes gerações das comunidades. É algo que dá muito trabalho e que nos leva a insistir para que as congregações formem comunidades com aqueles que estão mais abertos.

É bom que em uma comunidade estejam juntos um ancião e um joven, porém os conflitos entre as gerações são grandes e a superação tão difícil. Que deixemos trabalhar os jovens e abramos espaços para que possam se comprometer em diversas instâncias”.

Este conflito entre os carismas, a vida em comunidade e a cultura atual faz que muitas vocações jovens não permaneçam. Quais os passos que devem ser dados para resolver esses conflitos e provocar nos mais jovens a necessidade e importância dessa vida em comunidade?

 “Cuidar mais da formação, dar uma atenção maior à formação. Pouco tempo atrás refletimos, a partir do Documento de Aparecida, que é um documento muito interessante, sobre a importância do itinerário catecumenal. O que percebemos é que aquilo que nos desestrutura e nos produz maior fragilidade é a falta de união mais profunda, de opção por Jesus Cristo, pelo Evangelho.

Por isso, as dificuldades de convivência e as diferenças culturais,  quando as pessoas não têm o coração ardendo, com uma opção pelo Reino, por Jesus Cristo, pelo Evangelho, tendem a se acentuarem. Creio que para superar isso na Vida Religiosa precisa-se de formação muito sólida e acompanhamento pessoal. É uma preocupação na Vida Religiosa, pois jovens depois de três ou quatro anos de votos perpétuos estão abandonando o sacerdócio, a Vida Religiosa”.

E esta é uma situação que não somente está presente na Vida Religiosa, mas também no clero diocesano e em matrimônios. Parece que a cultura do descarte se instalou também na Igreja?

 Exato, deu até aqui, já não preenche minha vida, não vejo nenhum resultado, então busco outra coisa. Isso é algo que preocupa os bispos. Por isso, insistiria nesse acompanhamento pessoal, em uma formação diferente. Nós temos feito um esforço enorme através de nossos grupos de Novas Gerações, tanto nas Regionais como em nível Nacional.

Porém, ainda é muito pouco, pois não é fácil chegar a todos. Às vezes quem está nesses grupos são aqueles que não necessitam, e quem tem carências, dúvidas, crises, não vão nesses momentos, não participam. Às vezes, quando se vai dar uma conferência para religiosos/as, sacerdotes e bispos e se fala dos problemas na Igreja, porém os que deveriam ouvir, não estão”.

Como presidente da CRB, que diria a alguém que quer ser religioso/a? Por que a Vida Religiosa continua sendo uma opção válida e um caminho de felicidade na vida cristã!

 Os jovens estão cheios de ardor, de vontade de defender a vida, de trabalhar pela justiça. Não há um caminho mais fecundo, mais forte que o de dedicar sua vida à Vida Consagrada, ao serviço do Reino, como religioso, como religiosa, como sacerdote. Não ter medo de abraçar, de conhecer. Apresentar ao jovem a vida em abundância, caminhos em que ele possa dedicar toda sua energia, todo seu desejo de ver um mundo melhor, de lutar por um mundo mais digno. Isso é a Vida Consagrada, um espaço maravilhoso de liberdade, de eleição livre do jovem”.

Você não duvida em afirmar que viver nossa missão como cristãos, na Vida Religiosa, é algo que vale a pena.

 Claro que vale a pena, vale muito a pena. Na Vida Religiosa vive-se a liberdade de servir a Deus. Na Vida Religiosa, é plenamente feliz quem escolheu livremente seguir a Jesus. É feliz porque justamente a plena liberdade é que dá felicidade, que não é fazer o que se entende, mas o que realmente é bom. Essa é a verdadeira liberdade, o que é bom dá alegria, pois quando uma pessoa escolhe o que não é bom vai destruir sua vida. Por isso, o verdadeiramente livre é aquele que escolhe o que é bom, que somente dá alegria, felicidade, plenitude”.

Publicações recentes