Cultura vocacional em tempo de mudanças

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Pe. João Mendonça, sdb

O papa João Paulo II, em 1994, ao enviar a mensagem no Dia mundial de Oração pelas Vocações, se referiu a urgente necessidade de uma cultura vocacional, quer dizer, passar de um trabalho artesanal de pastoral vocacional, para uma ação que penetrasse a vida de todos os cristãos, que favorecesse repensar a vida como serviço e que as comunidades desenvolvessem um processo educativo vocacional. Rezar e trabalhar para conscientizar todos os cristãos de que a vida não é um acaso, mas um projeto a ser desenvolvido ao longo da existência. Isto requer uma nova mentalidade que desperte não apenas para a vocação específica (presbiteral, religiosa), mas abra horizontes de missão para compreender que o ato de fé não é uma lógica meramente racional e espontânea, mas insere a pessoa numa realidade de serviço e generosidade à plena gratuidade de Deus.

Aparecida atual

Neste sentido, o Documento de Aparecida, 10 anos após sua publicação, nos desperta para a mudança de época que mexe com a vida de todos nós, por conseguinte, é preciso rever a pastoral vocacional à luz da vida do discípulo missionário que se enfrenta com a complexidade do momento atual, de certa forma opaca, sem brilho, complexa e com uma enorme dificuldade de interagir com os valores referenciais (DAp, 44). Estamos, afirma Aparecida, como sem forças, com dificuldade de transmitir a fé às novas gerações, com uma enorme ruptura entre fé e vida, num acelerado processo individualizante (DAp, 44-47).

Esta nova realidade gerou uma crise de sentido a tal ponto de muitas pessoas, sobretudo os jovens, perderem a capacidade de sonhar, ousar e planejar o futuro, ficando reféns do presente. Estamos em um momento cultural que coloca em xeque todo o conjunto de valores e do agir humano. A base cultural mudou (DAp, 51.486.486h.513). É uma modernidade liquida, que enterrou a cristandade e supervaloriza a individualização e o imediatismo, por conseguinte, na contramão da vida como vocação. Disto, duas constatações: o número cada vez mais reduzido de jovens que entram na vida religiosa consagrada, sobretudo feminina e a liquidez vocacional, com as muitas saídas na hora dos compromissos definitivos: profissão perpetua, ministérios ordenados. Há, sem dúvida, um aumento de vocações, no entanto, o matrimônio religioso, que também é uma resposta vocacional, está em diminuição.

Santa intuição

Sabiamente e até de forma visionária, São João Paulo II, entendeu este momento e chamou a atenção para uma reação, recomeçar a partir de Jesus, como muito bem nos afirma o Documento de Aparecida (12.41.549). Portanto, não podemos cair na tentação de considerar por descontado o encontro pessoal, comunitário e experiencial de Jesus. É preciso cuidar do tesouro escondido, da moeda perdida, da ovelha desgarrada e da pergunta por sentido: O que devo fazer para ganhar a vida eterna? Esta pergunta na boca do jovem rico e de Nicodemos, ecoa ainda hoje na veloz mudança de época. Nosso coração, bem dizia Santo Agostinho, não descansará enquanto não repousar nEle, o Senhor Jesus vivo e verdadeiro. Um significativo pensamento de Aparecida pode nos ajudar a reagir diante desta mudança de época à luz do chamado do Senhor:

Eles se sentiram atraídos pela sabedoria das palavras de Jesus, pela bondade de seu trato e pelo poder de seus milagres. E pelo assombro inusitado que a pessoa de Jesus despertava, acolheram o dom da fé e vieram a ser discípulos de Jesus (DAp, 21).

            Faz-se urgente, portanto, voltar ao poço, à fonte de água viva para reencontrar aquele que dá a água que sacia a sede, alimenta os famintos, curas os enfermos e perdoa os pecadores.

Reiniciar a partir de Jesus Cristo

            Sobretudo o assombro que a pessoa de Jesus desperta precisa ser experimentado. É como aquela pérola preciosa ou o tesouro escondido que alguém encontra e deixa tudo e, neste fragmento encontra o todo. O assombro, como também São João diz, contemplação (1 Jo 1,1s), é o que nos ajuda a entender que a cultura vocacional ajuda a compreender que não basta experimentar coisas e sentir sensações, mas viver o valor que é Jesus, pessoa e não ideia; mestre e não guru; verdade e não especulação. Neste sentido, São Paulo é radical quando diz: considerei tudo lixo para ganhar a Cristo (Fl 3,8). Aqui está a chave para saber viver na era liquida do passado, do imediatismo do presente e do falimento do futuro. É saborear o assombro das palavras, do trato e da presença salvífica de Jesus que nos envolve, preenche nossos vazios e dá sentido à vida. A cultura vocacional é, sem sombra de dúvida, querigmática e se realiza no processo mistagógico. Sobre isto comentarei no próximo artigo.

Pe. João Mendonça, sdb – SAV-CRB Belém/Pará

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