Missionários ressuscitam vidas na Amazônia: o cuidado de meninas em situação de risco. Série 1

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Por Rosinha Martins| 30.03.2016 | Do que vi e ouvi, dou testemunho e o meu testemunho é verdadeiro. Fiel à verdade dos fatos, o meu relato poderá ajudar a muitos a acreditar cada vez mais que o Senhor ressuscitou verdadeiramente e que aqueles que se deixam guiar por Ele, sem nada querer em troca, simplesmente por amor, assim como Ele, ressuscitarão vidas e renovarão rostos desfigurados pelo sofrimento, pela falta de amor ao próximo, pela apatia dos nossos governantes.

Foi como religiosa e jornalista que sou, que avancei para as águas mais profundas do rio amazonas acompanhando seguidores de Jesus que optaram por fazer o bem, literalmente sem olhar a quem. Importante para eles e elas é ver um sorriso no rosto, a saúde e a dignidade resgatadas.

Porto de Santana, é uma cidade que dista cerca de 21km de Macapá, capital do Amapá. Rota comercial, o porto que a compõe é, também, ambiente de prostituição infantil e de tráfico de meninas.

Não muito longe dali, na casa-abrigo Bethânia, fundada pelas Irmãs Discípulas de Jesus Eucarístico e mantida através da Fundação Marcelo Candia e convênio com o Poder Público, trabalham quatro jovens Irmãs: (da esquerda para a direita) Hermelinda Bui, 30, indonésia; Marcelina Frederica Bule Owa, 29, indonésia; Rosane Cordeiro Fiuza, 38, mineira de Montes Claros e Zulmira de Jesus Exposto Babo,31, Timor Leste.

Coordenadora da casa, Irmã Rosane Cordeiro Fiuza contou-me sobre os desafios e as alegrias de realizar um trabalho como este em prol das meninas.

“Nossas vidas consagradas são energia para salvar vidas”

Para mim é um desafio que alimenta o espírito e a vocação, por que é um desafio o resgate delas, mas quando são resgatadas sinto um ânimo para a minha vida”, explicou.

Segundo Irmã Rosane, as meninas das quais elas cuidam, foram tiradas de zona de prostituição, chegaram ali, sem nenhuma perspectiva de vida. “Quando olho para elas, hoje, e vejo que têm um sonho, que querem crescer, se desenvolver e dar uma nova direção para suas vidas e que podem contar com a nossa ajuda, para mim é mais do que qualquer coisa na vida, é uma dádiva de Deus. Nada preenche o vazio do ser humano a não ser ajudar outro ser humano. Muitos pensam que as nossas vidas de consagradas são energias jogadas fora. Pelo contrário, são energias para salvar vidas. É uma gestação diferenciada.

A vida espiritual

atro religiosas, além do acompanhamento às meninas, do cuidado da casa, da coordenação dos cursos de promoção social, se mantêm conectadas a Deus, também através da adoração perpétua, o que é próprio da Ordem. “Iniciamos o dia com a meditação da Palavra, com a Liturgia das Horas e por meio da natureza. Ela, também, nos leva a Deus. Aqui, tudo leva à contemplação”, conta.

As ameaças de morte

Irmã Rosane (foto à esquerda), já sofreu várias ameaças de morte. E disse que enfrenta tudo para a defesa das meninas e não tem medo. “Para ajudá-las, enfrento tudo. Fui ameaçada pelos abusadores das meninas, pois quando as resgatamos das zonas de prostituição, eles ficam incomodados. A última ameaça que tive foi numa audiência, no Fórum. Quando temos um abusador concreto, fazemos a denúncia. E no julgamento de um deles, a família estava lá e sua irmã me ameaçou dizendo que me pegaria na rua e eu retruquei: “Comigo você pode fazer o que você quiser, desde que não encoste em um fio de cabelo desta criança”.

Em todos os casos de ameaça, a religiosa faz o Boletim de Ocorrência para que as autoridades competentes tenham consciência de que está sendo ameaçada. “Durmo tranquila porque sei que a menina está aqui dentro protegida e digo ao meu Deus: “Senhor, agora é contigo”.

Fiuza relatou uma outra ameaça recebida por telefone, através da qual o abusador de meninas prometeu pegá-la, ele ou outra pessoa. “Para ele respondi que minha vida está entregue nas mãos de Deus, que esta é a missão que ele me confiou nesse momento. Disse, também, que se quiser tirar minha vida, pode tirar, desde que não encoste na menina que tem apenas 12 anos.  Nem a menina, nem eu tenho culpa por a justiça estar de cobrando por um crime que cometeu. Neste caso, também, fiz o BO para que a juíza saiba que estou vivendo sobre ameaça. As meninas não andam sozinhas para ir para a escola, tem o motorista que leva, ou uma mãe social. Eles buscam na porta da escola, por causa do risco que elas correm.

O tráfico de meninas

A cidade de Porto de Santana tem um grande porto que é o gerador de renda, não somente para Santana, mas para Macapá. Por ser rota comercial, passam por ali várias embarcações, algumas vezes portando meninas em situação de Tráfico de Pessoas.

De acordo com Irmã Rosane, quando há uma suspeita dessas, agentes do Fórum entram em contato com as Irmãs, com a polícia e o comissariado da infância, os quais vão até o porto e ficam esperando a chegada. Quando o navio chega, a polícia entra, averigua e se tiver a criança com as características da denúncia, ela é retirada e levada para a Casa Bethânia até que a investigação seja concluída. Também os aliciadores são presos. Uma delas veio de Belém e seria levada para a França, conta a Irmã.

“No caso dela, a denúncia era verdadeira e ficou aqui conosco até a família vir buscá-la. A mãe estava desesperada. Foi uma situação comovente. Segundo a mãe, ela foi para a escola e não retornou mais. Era uma negra linda, de olhos verdes, com apenas 11 anos. As negras de olhos claros e as índias são as mais cobiçadas”.

A Prostituição, consequência da pobreza

Fiuza disse, também, que a prostituição em Porto de Santana tem como causa a pobreza. As famílias, na região vivem do açaí, da pesca e com a ajuda do Bolsa Família. Desde muito cedo as crianças são educadas para a prostituição para ajudar em casa e se orgulham disso. “Por exemplo, contou, um pai enchia de elogios a filha que ainda aos 11 anos se prostituía para ajudar na casa e a irmã mais nova, de 9 anos não via a hora de completar a mesma idade, para agradar o pai, mas sem saber o que exatamente sua irmã fazia.

Em torno do Porto de Santana se pode ver prostituição a céu aberto, motéis, casas com este fim, mas não existe fiscalização nenhuma.

O cuidado da Casa Comum

“Se no Brasil o saneamento é capenga, em Macapá e seus arredores, o saneamento é lento”, afirma Rosane. Ao longo dos canais que escorrem a água do rio amazonas e seus afluentes são construídas casas de palafitas onde estão condensadas o esgoto da pia, da rua e do banheiro. “No período da enchente temos uma epidemia de doenças. Final do ano passado sofremos com a epidemia de hepatites e vermes”.

Para a religiosa, o cuidado das meninas em situação de risco é, sem dúvida, cuidado da Casa Comum. “Porque essas meninas são as mais afetadas, no nível, psicológico, físico, espiritual, educacional. A questão é humana. Cuidar da casa comum é resgatar o ser humano e este, sendo cuidado, aprende a cuidar da natureza, do que é de todos. Quando não somos bem cuidados, não cuidamos do que Deus criou”.

Ele ressuscitou verdadeiramente. E está no meio de nós. Aleluia!!

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