O PRÍNCIPE DA IGREJA E OS POBRES DE ROMA

Compartilhe nas redes sociais

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no telegram
Telegram

Maria Clara Lucchetti Bingemer

Um cardeal na Igreja Católica é alguém que assiste o Papa em diversas competências e goza de sua mais estreita confiança. O vermelho púrpura de suas vestes significa dedicação total ao pontífice e até mesmo que está pronto a derramar o sangue por ele. 

Na diplomacia, os cardeais são considerados  “príncipes da Igreja”.  E a etimologia da palavra que designa seu cargo – cardeal –tem raiz no latim cardo, que em português se poderia traduzir por eixo ou gonzo.  Ou seja, algo que gira em torno da cabeça da Igreja que é o Papa. 

Principado, diplomacia, púrpura.  Todas palavras que designam importância, prestígio, honraria. E, no entanto, a pessoa de um dos cardeais recentemente “criados” pelo Papa Francisco, o polonês Konrad Krajewski, parece implodir e confundir esses significados. 

Nascido em Lódz, Polônia, Krajewski tem 54 anos.  E desde 2013 é o responsável pela Esmolaria Apostólica, departamento da Santa Sé que tem a função de praticar a caridade para com os pobres em nome do Sumo Pontífice.  Existente desde os primeiros séculos da Igreja, estava primeiramente sob a competência dos diáconos, homens de boa reputação que auxiliavam os apóstolos no atendimento aos pobres, aos órfãos e às viúvas. Depois o cargo passou a ser ocupado por alguém que tivesse recebido a dignidade arquiepiscopal.

Todas as doações que chegam à Esmolaria Apostólica são inteiramente destinadas à caridade para com os desvalidos que recorrem ao Papa pedindo ajuda. E Konrad Krajewski cumpre fielmente essa missão há anos, percorrendo as ruas de Roma e oferecendo refeições e assistência aos pobres que por ali andam, sem moradia, passando extrema necessidade. 

Porém não se limita a isso a criatividade caritativa do novo cardeal polonês.  Em seu trabalho como Esmoleiro apostólico, além de oferecer alimento aos pobres, procurou devolver-lhes dignidade. Providenciou a disponibilização de um dormitório, chuveiros, uma barbearia e uma lavanderia perto do Vaticano para pessoas desabrigadas. Desta maneira, o cuidado de si, elemento constitutivo da dignidade humana, pôde ser experimentado novamente por essas pessoas que se encontravam despojadas desses recursos.  

Não se detém aí a inventividade do Esmoleiro apostólico. Para refugiados que sobrevivem às perigosas e ameaçadoras viagens de barco da África ou do Oriente Médio até a ilha de Lampedusa, distribuiu mais de mil cartões telefônicos pré-pagos a fim de que pudessem avisar suas famílias que haviam chegado e se encontravam em segurança. 

Organiza também regularmente visitas guiadas a lugares turísticos tradicionais de Roma, como a Capela Sistina e a Basílica de São Pedro, para os moradores de rua. Juntamente com outros voluntários, entre eles vários guardas suíços, começa e recomeça diariamente sua peregrinação caritativa em busca dos pobres e necessitados de Roma. Bem lhe havia dito Francisco ao nomeá-lo que podia vender sua mesa de trabalho, pois não deveria permanecer nela sentado.  Sua missão era sair ao encontro das pessoas carentes em nome do Papa e da Igreja. 

Em 2017, ao saber da chegada de um casal sírio que não tinha onde alojar-se, dom Conrado ofereceu-lhes o apartamento que o Vaticano lhe havia destinado como funcionário.  Mudou-se, então, para o escritório onde fica a sede da Esmolaria Apostólica.  Aos que se surpreenderam com seu gesto, justificou com simplicidade e lógica irrefutável. “Isso é algo normal, nada excepcional. Não tenho família, sou um simples sacerdote; oferecer meu apartamento não me custou nada”.

O cardeal Krajewski é, na verdade, o braço e o coração estendidos do Papa para fazer sentir aos pobres seu carinho e presença.  Muitas vezes o então arcebispo Bergoglio saía à noite pelas ruas de Buenos Aires para encontrar os pobres e os moradores de rua, levando-lhes ajuda e alento.  Não podendo fazê-lo agora, deseja que seu Esmoleiro apostólico o faça, em seu nome e em seu lugar. 

Ao nomear cardeal este polonês inteiramente dedicado a seus irmãos mais vulneráveis, Francisco fala de forma mais eloquente do que se fizesse longos discursos.  Assinala com clareza qual deve ser a atitude e a missão daqueles que na Igreja se encontram nos cargos de maior visibilidade e liderança: estar a serviço do povo e sobretudo dos mais pobres.

Declarar príncipe da Igreja alguém que dispende seu tempo e energias em ambientes e situações nada “principescas” ou nobres, Francisco mostra como deve ser a vida dos seguidores de Jesus, o Nazareno. Este dependia apenas de suas sandálias andarilhas e não tinha onde reclinar a cabeça. E é reconhecido e proclamado por  seus discípulos como Príncipe da Paz. 

A nomeação de Konrad Krajewski cardeal foi celebrada condignamente com um alegre jantar do qual participaram cerca de duzentos pobres e pessoas em situação de vulnerabilidade.  Assim era atendido um pedido expresso de Francisco que, em carta aos quatorze recém nomeados purpurados, pediu que não celebrassem a nomeação com festas marcadas pela “mundanidade”.

Krajewski entendeu bem o recado do pontífice. Valeu tanto a pena que recebeu um convidado inesperado em meio à alegria da refeição que partilhava com seus amigos das ruas: o Papa em pessoa. Francisco sentou-se à mesa e ali ficou por duas horas partilhando o alimento, o afeto e ouvindo as histórias dos que celebravam a nomeação do servidor das ruas de Roma como príncipe da Igreja. Que Deus abençoe o novo cardeal. 

 

 Maria Clara Bingemer é teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de  Testemunho: profecia, política e sabedoria, Editora PUC-Rio e Reflexão Editorial, entre outros livros.

Publicações recentes