O Sínodo sobre a Família visto do banco de trás

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Representante de 600 mil religiosas espalhadas pelo mundo e presidente de 1.800 líderes de Congregações Religiosas, Irmã Carmem Sammut relata a sua visão do Sínodo sobre as Famílias, desde o seu lugar de fala: o banco de trás.

Por Rosinha Martins|06.11.2015| Nos últimos bancos da sala de conferência do Sínodo sobre a Família, no Vaticano, de 04 a 25 de outubro próximo passado estavam presentes 32 mulheres – claro, sem direito a voz e voto, entre elas, três religiosas a saber: A estadunidense, Maureen Kelleher, religiosa do Sagrado Coração de Maria, a costariquenha, Irmã Berta Maria Porras Fallas, da Congregação das Irmãs Capuchinhas e a Superiora Geral da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Africa e presidente da União Internacional das Superioras Gerais das Congregações Religiosas femininas (UISG), composta por cerca de 1.800 superioras gerais e 600 mil Irmãs em nível de mundo, a maltesa Carmem Sammut.

Fato é que “dos fundos do Sínodo” – e há quem diga que quem está nos últimos bancos, quase fora, enxerga melhor – Irmã Carmem Sammut pode lançar um olhar largo e crítico sobre tudo o que acontecia não só em relação à presença das mulheres casadas e das mulheres consagradas, ou no que se refere à postura e ao pensamento dos prelados que tinham direito a fala, a voto e discutiam o tema da Família em tempos modernos. Os auditores e as auditoras, sem direito a voto, marcavam presença nas reuniões e participavam dos debates sinodais, somente.

Irmã Carmem Sammut discursou, em entrevista ao jornalista da Catholic National Reporter e correspondente do Vaticano, Joshua J. McElwee, sobre questões relativas ao processo no qual se deu o Sínodo e como este acontecimento influi no seu modo de pensar o lugar e a atuação da Vida Consagrada, especificamente feminina, na Igreja.

“Acho que não devemos desistir do nosso papel nas fronteiras da Igreja”

Sammut falou sobre o trabalho missionário da Vida Consagrada na Igreja e ressaltou que o acompanhamento pastoral àqueles que dele necessita é dado pelas religiosas mais que pelo setor oficial da Igreja. “Devemos nos perguntar como estamos nos envolvendo com essas pessoas que a Igreja oficial não está vendo. Como temos certeza de que estas palavras (do documento final), não serão esquecidas e como estamos realizando-as em nossa realidade? Creio que podemos pressionar neste sentido”, afirmou.

Após o Sínodo, Irmã Sammut realizou uma sessão de repasse do Sínodo para os membros da União Internacional das Superioras Gerais (UISG), intitulada: O Sínodo sobre a família visto do banco de trás, na qual fez o repasse do que foi o Sínodo a partir do seu ponto de vista.

Convite para participar do Sínodo: “Tivemos que ir em busca dele”.

De acordo com Irmã Carmem o convite para participar do Sínodo não foi algo tão fácil e acessível, pois seu grupo não teve nenhuma inclusão oficial no último Sínodo em 2014. A religiosa e um pequeno grupo teriam tratado da questão em uma reunião com o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin. Em um outro momento, também, trataram do assunto com o chefe da Secretaria Geral do Sínodo, Cardeal Lorenzo Baldisseri. Tudo isso aconteceu antes de receberem o convite para serem auditoras do Sínodo. “Não acho que este convite foi automático. Tivemos que ir em busca dele”, enfatizou Sammut.

A presença de um religioso Irmão

Foi a primeira vez, nos últimos 50 anos, que um Religioso Irmão, ou seja, um consagrado não ordenado participou de um Sínodo. Tratava-se do Irmão Herve Janson, da Congregação dos Pequenos Irmãos de Jesus. Para Sammut a participação do Irmão gera esperança de mudanças no interior da Igreja. “Esta foi a primeira vez que uma pessoa não ordenada [sacerdote] tem direito ao voto no Sínodo, então algumas coisas podem mudar com o tempo”, atesta.

Quanto à representação masculina, haviam também 10 religiosos consagrados, todos com direito a voto.

O encontro de Irmã Carmem Sammut com Papa Francisco

Sammut informou ainda, que durante o Sínodo, teve oportunidade se encontrar, de maneira privada, com o Papa Francisco e fazer-lhe umas perguntas. Era precisamente 16 de outubro.

Na oportunidade a Irmã perguntou ao Pontífice se as várias cartas que a União lhe havia escrito tinham chegado em suas mãos. Nas cartas as Religiosas se disponibilizavam em fornecer subsídios relativos ao lugar da mulher na Igreja. A resposta de Francisco foi negativa. Ele não recebeu nenhuma carta. A Irmã, então, aproveitou a oportunidade e o convidou para participar da próxima Assembleia Geral Trienal da União que acontecerá em maio de 2016.

A resposta do Papa Francisco

Irmã Carmem contou que no dia seguinte, recebeu uma nota de Francisco, escrita à mão, na qual ele prometia uma audiência geral com as 800 religiosas que virão a Roma para o encontro. Escrita em espanhol a carta continha um envelope assinado como remetente o “F” de Francisco e o endereço da Casa Santa Marta. (Veja abaixo).

Os bastidores do Sínodo

Ao recapitular o processo no qual se deu o Sínodo, Sammut falou sobre o que ocorreu, a seu ver, nos bastidores do evento.

Segundo ela era “um pouco difícil” acompanhar a fala de cada prelado que tinha três minutos de intervenção nas sessões abertas. “As intervenções eram extremamente diferentes”, relata. “Podíamos ouvir uma coisa e o seu oposto, o que se tornou uma experiência bastante frustrante e confusa e não havia jeito de compreender, eu que vivi todos os meus 30 anos de experiência missionária fora do centro de Roma, em uma pequena e periférica comunidade no norte da África”, completou.

“Para mim, o ponto fraco desse método foi que não havia tempo suficiente para um processo de discernimento verdadeiro”, contou às colegas religiosas, enfatizando que o processo sinodal não permitiu que houvesse tempo o suficiente para a reflexão ou oração de maneira que os prelados pudessem considerar os diferentes pontos de vista que escutavam. “Quando se têm diferenças muito grandes, como se pode juntar todas elas? Os prelados precisavam de “mais tempo de oração para digerir tudo aquilo e para distinguir os movimentos do Espírito e, também, para não falar do que se deseja pessoalmente (…) mas o que o Espírito parece estar dizendo à Igreja”.

A experiência junto às famílias no trabalho de grupo

Irmã Carmem Sammut participou dos trabalhos de grupo em um dos 13 grupos de discussão do Sínodo que eram divididos por preferência linguística. Para ela foi “uma das melhores partilhas”. “Dentro de meu grupo, todos os tipos de famílias estavam presentes, com as suas alegrias e problemas”, falou. “Não existe um ideal, uma família perfeita. A imagem que me veio depois desta partilha foi a do Cristo Ressuscitado mostrando-nos as suas feridas”, completou. “Achei importante para mim deixar os meus olhos da fé encontrar o Cristo ferido e ressuscitado em cada uma das famílias sobre as quais estávamos falando”.

Os debates mais difíceis do Sínodo: pessoas divorciadas e recasadas

A religiosa considerou como um dos pontos mais cruciais do Sínodo, o debate sobre as pessoas divorciadas e recasadas e a forma como a Igreja as trata. “Durante esta parte do encontro, percebi o quanto é difícil ser um bispo. Fiquei sentida pelos bispos. É a primeira vez em minha vida que sinto isso. “Eles, continuou, precisam sustentar a doutrina da Igreja ao mesmo tempo dando conta das necessidades pastorais de cada pessoa em suas dioceses”, continuou ela, dizendo que eles querem “mostrar um rosto acolhedor de Deus enquanto ainda mantêm a disciplina da Igreja. Como se tornar livre o suficiente para ir além do medo?”.

Na Igreja Católica, recasados e divorciados estão expressamente proibidos de receber a Eucaristia, exceto aqueles que passaram pelo processo de nulidade e foram aprovados.

Sobre esta questão, o documento final do Sínodo deixa claro que estas pessoas devem discernir sobre as decisões a respeito de suas vidas espirituais de forma individual, juntamente com a orientação de sacerdotes. No parecer de Sammut, as deliberações aqui foram muito difíceis. “Uma coisa que me chocou bastante é que algumas pessoas estavam falando em não abrir o Sacramento da Penitência aos divorciados e recasados. Um dos motivos que às vezes era apresentado (…) era que outros católicos ficariam escandalizados se vissem estas pessoas indo para a Comunhão, ou em vê-las readmitidas aos sacramentos. Que tipo de cristãos, então, estamos fazendo dos bons cristãos? Como pode um bom cristão querer privar os demais daquilo que é importante e necessário para a vida alheia?”

De acordo com a reportagem feita pela jornalista Kate McElwee do site womensordination, as Religiosas (foto à esquerda, acima) se sentiram orgulhosas e extremamente satisfeitas por terem Irmã Carmem Sammut como representante da Vida Religiosa Consagrada, obviamente presidente da União Internacional das Superioras Gerais (UISG), após partilha da religiosa sobre o Sínodo.

Irmã Carmem concluiu a sua partilha com as Superioras Gerais pedindo a elas que reflitam seriamente estas  questões: “Como este Sínodo pode nos influenciar? E qual deve ser o tema do próximo Sínodo? O que gostaríamos que os bispos estudassem?

Rosinha Martins é jornalista, assessora executiva da CRB Nacional para a Comunicação. Missionária Scalabriniana.

Fonte: Joshua J. McElwee, da Catholic National Reporter e Kate McElwee da womensordination.

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