Repousar no Coração de Jesus e de Maria

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A velocidade é um dos atributos da sociedade pós-moderna. O mesmo pode-se dizer do rumor e do ritmo da aceleração. Rumor e velocidade caracterizam o processo de produção, comercialização e consumo. A pressa tornou-se uma enfermidade extremamente contagiosa. É preciso correr: o vírus infiltra-se sorrateiramente em tudo e em todos. Não há tempo para explicar, para ouvir, para repousar, para contemplar.

Escreve David E. Klem: “Uma lei está inscrita no siatema competitivo global: maximizar os benefícios econômicos. Essa lei serve como norma para as atividades de direção e de contrato, não tanto fazendo apelo à verdade, mas determinando os verdadeiros resultados da vida. A própria lei escolhe o sucesso em meio aos fracassos, de acordo com uma espécie de darwinismo econômico. Fazer apelo à verdade não basta para contestar essa lei”. Lei férrea do lucro e da acumulação progressiva! Sobre rodas, por mar ou nas asas do vento, corre veloz e imdômita a mercadoria. A rumorosa energia das máquinas e do poder domina objetivos, projetos, ações e passos. Mas contagia igualmente o coração, a mente, as entranhas e a própria alma. Esta, porém, mantém acesa uma luz amarela ou, em casos mais extremos, vermelha. Sinal oculto e invisível, mas nem por isso menos incômodo ou inrterpelador.

Luz indicadora de que algo não está bem. De que à vida corrida do cotidiano falta algum ingrediente essencial, indispensável. Sinal de sede em plenas areias do deserto! De uma sede antiga e persistente como a existência humana. Nenhum produto, por mais sofisticado e moderno que seja, pode saciar esse desejo oculto e ao mesmo tempo implacável. Ao contrário, cada objeto de ponta, de última moda, só faz aumentar o abismo da sede. E o desejo de uma água induzida, mas pouco conhecida.

Velocidade e rumor nos transformaram em pequenas máquinas. Em lugar do ferro e do aço, porém, são máquinas feitas de pele e carne, nervos e ossos. No meio da estrada, descobrimos que não basta o óleo para fazê-las funcionar. São também máquinas frágeis, sensíveis, emotivas – delicadas como as pétalas das flores ou as espigas do trigo. Máquinas que atravessaram um floresta de espinhos: carregam consigo arranhões, feridas, cicatrizes. Mas, de modo todo particular, máquinas que mantêm a estranha mania de costurar relações entre si mesmas.

Por isso emitem sinais de sede! Sede que cresce na proporção direta do barulho e da marcha forçada das coisas. E diminui quando em quietude, na exata medida em que as águas se acalmam. Sede que se revela como necessidade urgente de parar, de ouvir a música do silêncio, de encontrar tempo para o repouso, o carinho, a ternura – ou então a comprrensão, a simpatia e o reconhecimento do outro. Onde encontrar tão estranhas formas de combustível? Não estaria aí a profunda intuição da devoção popular?

Neste ponto, deparamo-nos com o coração de Jesus e de Maria. Templos do rosto de Deus e do fogo do Espírito. Berço do qual saímos e ao qual permanecemos eternamente ligados. Lar e casa que deixamos, sem saber extatamente o caminho de volta. Peregrinamos pela face da terra com o coração irrequieto enquanto a ela não retornarmos, diria Santo Agostinho no livro sas Confissões. Insaciável saudade dessa água, eis a luz amarela ou vermelha que arde no mais íntimo de nós mesmos.

Sinal que é preciso parar, silenciar. Não para permanecer paralizados, nem para cultivar o mutismo. Mas para que o deserto possa ser fecundado. Para que nesse terreno estéril germine um passo, uma palavra, um gesto e um olhar novos, vivos, criativos, confortáveis, libertadores. Quem não sabe parar e não sabe silenciar, tampouco saberá dar um passo inovador, ou dizer uma palavra transformadora.

Coração de Jesus e de Maria: morada do Pai, morada dos irmãos e irmãs que vivem ao nosso lado, morada dos pobres, indefesos e desfigurados, dos pecadores, excluídos e marginalizados. Espelho de nosso próprio rosto, no qual podemos avaliar as vias seguidas até agora e, à luz desse amor oceânico e misericordioso, escolher alternativas para o futuro.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs – Roma, 8 de junho de 2018

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